Mal dormi. A ansiedade me abraça e nem minha cannabis medicinal dá conta. Mas o caso é que precisava escrever e, como fiz por noites adentro ao longo dos últimos anos, cá estamos.
Voltarei alguns anos no tempo, a título de introdução. Há quase 28 anos um acidente de carro levou o caçula da nossa turma do Partenon, Marcelo da Silva Nunes.
Antes de morrer, Marcelinho, como carinhosamente o chamávamos, pediu para o Marcio Barbosa atar o cinto de segurança no banco da frente. Não era obrigatório naqueles dias como, felizmente, se tornaria tempos depois.
Marcelinho não afivelou o seu no banco atrás do motorista. O carro capotou e ele sofreu traumatismo craniano severo. Na ambulância que o socorrera para o Hospital Centenário, de São Leopoldo, meu irmão Sandro Leite lhe apertava a mão para impedir que nosso amigo se fosse.
No dia seguinte, outros irmãos Jackson Lopes e Renato Farias me comunicaram que nosso parceirinho fora ressuscitado pelos médicos enquanto eles o visitavam. Lembro do Jackson, olhos rútilos, levando às mãos ´à cabeça com essa notícia.
Eu e Jefferson Marcanth, que passou a ser o caçula da turma com a saída de cena do Marcelinho, nos aproximamos demais nessa crise. E posso apostar que, mesmo de longe, nunca nos abandonamos, qual fosse a situação.
Volto aos dias de hoje ou à noite passada. Na crise do que chamo de “Katrina gaúcho” fui colher notícias no sul de como estavam meus familiares e amigos ao telefone. Acabei não podendo ir caminhar à noite, com tantos relatos.
Minha mãe e irmã, por exemplo, estão há dias sem água, mas com energia elétrica ao menos. E seguras, felizmente, já que estão no alto do Partenon, na zona leste de Porto Alegre. Mercadinhos e até o velho Zaffari têm problemas de estoque de produtos. Falta água.
Meu primo Luis Fernando, que mora no litoral norte, revelou que o movimento em Cidreira era de alta temporada. A praia virou rota de fuga para muitos que tem casa. E mesmo para quem não tem morada alguma na praia. Muitos aguardam ajudam na colônia de férias da Brigada Militar.
Na Serra Gaúcha, meus irmãos Gabriel Izidoro e família e João Victor de Oliveira, este último após dez horas de viagem, estão refugiados e aparentemente seguros.
Em Porto Alegre, Patrícia Meira está com a mãe internada. A situação é complexa e rezo por elas. Minha guaibeira das antigas, Fabiane Moraes, também é um tanto meu porto seguro, feliz que estou que ela está a salvo.
Na capital, Alessandro Varela, José Fernando Cardoso, da Unisinos para a vida, seguem na luta bravamente, assim como meu irmão Luis Eduardo Oliveira da Silva, que me narrou em detalhes os horrores da enchente em suas saídas de carro pela cidade. Luisinho e uma de suas filhas atuam juntos na área de saúde. Estão, eles sabem, entre meus heróis dessa tragédia.
Minha prima Gisele e sua mãe Dalva aguardam cirurgia de retirada de vesícula da Gi num hospital da zona norte. Sem água e comida – a cozinha foi desativada e os pacientes se alimentam de marmitas – não se sabe quando o procedimento ocorrerá.
Do lado de casa, no Partenon, Evelena Rodrigues, a quem agradeço, cuida dos seus e da minha mãe e minha irmã também. E lhe sou e serei grato eternamente.
Por São Paulo, gente de ontem e de hoje me abraça entre preocupada e disposta a ajudar, qual seja a forma. Cito Mariana Ghirelo, que pegou dengue e que mesmo assim me enviou mensagens de apoio. Gláucia Milício, a minha eterna Glau Gadot, a ausente mais presente da minha vida. Até a ruiva Marina Diana que, inesperadamente, me procurou e me aqueceu o coração.
Henrique Veltman e às famílias Gueller e Gutierres, que hoje são minha família, me procuram full time para saber notícias. Os Garotos da Javari e meu colegas de trabalho, que me veem tremendo pelo Parkinson a cada almoço – cenário agravado pela crise no sul – também merecem crédito.
De Santa Catarina, Simone Lemes, amor de uma juventude feliz, me apoia. Nos apoiamos, na verdade. De Fortaleza, no Ceará, a doce Aline Carlos me ajuda com a nossa indefectível Rádio Clube dos Deprimidos, que me faz um bem danado, pasmem.
Falarei da turma que abriu este escrito.
Valesca Nunes, vizinha da Batista Xavier, irmã do Marcelinho, citado no começo deste escrito, segura a bronca de cuidar da casa e da própria mente em voo solo – Dona Reni, a mãe admirável, se foi neste ano.
Marcio Barbosa conseguiu refúgio para si e seus familiares, ele que ficou com água pela cintura mesmo a bons metros do Guaíba na zona sul da capital.
Na zona sul do estado, Sandro Leite e Jefferson Marcanth atuam como voluntários. Meu irmão Jackson Lopes reuniu empresários e comprou e distribuiu mantimentos para quem nada tinha.
Meu irmão Leandro Luz está na luta também seja em Sapucaia do Sul, seja onde for, pois que o dever de salvar, eu sei, lhe é caríssimo
A todos e aos heróis aqui citados, e mesmo aos não citados pela minha memória insone e fraca, a minha homenagem mais singela e emocionada. Força a todos e que, Oxalá, essa crise vá embora com a mesma velocidade com que bateu à porta das milhares de vítimas.