Eu não sabia, mas Panis Angelicus é um hino católico cantado na cerimônia de Corpus Christi.
Mas, de fato, eu que não sou católico e pouco frequento a igreja, fui apresentado à obra graças a um álbum ao vivo do Milton Nascimento lançado em 1994. No disco Amigo, Bituca revisita seus clássicos em magníficos arranjos com orquestra e coral. A solenidade e a beleza do arranjo de Panis Angelicus (Pão dos Anjos em latim) somada à voz do Milton me arrebataram absolutamente.
Entenda dando play no vídeo abaixo:
No começo da década de 2010, fui à missa de um ano de falecimento de um político a trabalho. Surpreendi alguns colegas jornalistas acompanhando a letra cantada durante a cerimônia na Catedral da Sé. Sugeriram que eu tivesse sido coroinha – nem crisma nem catequese ousei fazer. Quem me trouxe a música foi o Bituca, reitero.
Corta para um momento mais pesado. Em outubro de 2017 varei a madrugada até chegar ao Cemitério Parque Jardim da Paz, em Porto Alegre, onde seria velado e sepultado o corpo do meu irmão Everson Passos. Naquela madrugada éramos eu, o funcionário da funerária e meu irmão.
O sujeito passou-me as instruções, os procedimentos para o enterro a acontecer no meio da tarde daquele 28 de outubro. A seguir, ele retirou-se.
Então, por longas horas, ficamos eu e meu irmão na capela. Conversei com ele o tempo todo enquanto estivemos a sós. Em vida, em uma hora, ou até menos, esgotávamos todos os assuntos, fechado que o Everson era.
Meu irmão era um crítico feroz de minha triste aventura nos teclados. Eu tirava músicas de ouvido, mas a execução repleta de erros e de um número limitado de músicas o deixava alucinado de raiva.
Lembrando histórias do mano, das mensagens de amigos que ainda chegavam, lembrei de súbito de Panis Angelicus. E a cantei entre lágrimas grossas para o corpo inerte.
Mal terminada a canção, um vento forte fez bater a porta da capela. E, quando o dia começava a raiar, uma linda luz varou o lugar de nosso derradeiro encontro.